Dando continuidade nas resenhas de álbuns do maravilhoso mês especial de 2011 (eu deveria ter arrumado um nome mais inventivo?), é hora de relembrarmos um dos grandes destaques da discografia do Wonder Girls.
Sem introduções massantes, confiram meus pitacos sobre o Wonder World…
Creio que seja quase unânime a opinião de que as Wonder Girls, em seu tempo de vida e variadas variações, tenham exibido um dos repertórios mais respeitáveis e consistentes da história recente do pop coreano. No entanto, particularmente, não sei se concordo inteiramente com isso.
A real é que as meninas maravilhas acabaram lançando pouca coisa em sua década de vida. Talvez por a JYP ter se preocupado demais em fazê-las acontecer no ocidente, sei lá. Foram poucos releases e, quando vinham, eram poucas as canções não usadas como singles que realmente valiam a pena. Isso, ao menos, até 2011.
2011 foi um grande ponto de virada para o então quinteto. Sunmi já estava fora há algum tempo cuidando dos estudos (pior que é verdade) e Lim feia já estava totalmente integrada ao line up. Embora não tenham se tornado as nova Pussycatdolls dos EUA, os esforços para isso até que tinham rendido um confete internacional. Dentro da Coreia, a presença delas era louvada, dividindo com KARA e SNSD os espaços de girlgroups mais adorados até então. Só faltava mesmo um LP pra coroar isso, para mostrar que, musicalmente, tinha algo a mais nelas.
E o “Wonder World” foi isso. Pela primeira vez, um trabalho completo, com várias inéditas explorando o que de melhor elas poderiam fazer dentro das variadas possibilidades que o retrô que as serviu de bandeira por tantos anos permitia.
Be My Baby meio que ilustra tudo isso. Ela encapsula o que foi o Wonder Girls em seu conceito e execução: um grupo que brinca com o retrô utilizando elementos atuais. Toda ela se assemelha a um doo-wop do início do século. É quase possível imaginar as cinco como cantoras de rádio, interpretando a faixa em microfones enormes e fazendo movimentos jazzísticos com as mãos.
No entanto, o que impera em sua construção sonora são elementos eletrônicos. Esse som mais antiquado, o andamento, é tudo uma grande emulação, usando artifícios contemporâneos, de modo que ela pareça vir de um futuro onde o passado é o que há, como em revistas de quadrinhos antigas da era de ouro que imaginavam o século vinte e um com carros voadores e visuais comportados.
Não é a toa que esse se tornou um dos maiores hits do grupo, vendendo mais de 4 milhões de cópias à época. Era o Wonder Girls sendo Wonder Girls em seu máximo, refinando tal concepção e entregando uma evolução de sua própria persona imagética e sonora como um grupo.
Tudo isso dito sobre a title, mas não é só disso que álbuns são feitos. Felizmente, junto na tracklist vieram canções no mesmo nível, algumas ainda melhores.
Dessa segunda definição, uma das mais destacáveis é G.N.O (Girls Night Out), um puta pancadão dance retirado de alguma coletânea de verão da rádio Jovem Pan nos anos 2000. É impressionante o modo como a HA:TFELT e os demais produtores conseguiram montar aqui uma farofa recheada de momentos altos, com diferentes ápices, grudenta, divertida, envolvente, que funciona com excelência em toda a sua duração.
Nem sei qual parte dela mais me agrada. Talvez o pré-refrão crescente que dá vontade de rebolar fazendo uma cara emotiva, ou o refrão propriamente dito, feito para pular e se jogar com vontade, ou as dinâmicas de rap entre Yubin gostosa e Lim feia. Que hino, bicho. “G.N.O” clamava para ser single, não é a toa que as plateias berravam a música nas apresentações ao vivo…
Outra que também poderia ter sido trabalhada como single foi Me, In. Basicamente, o momento mais roqueiro do grupo, mesmo antes serem convertidas em “banda”. Todos os elementos associáveis à jams de grrrrlbands estão aqui, com um guitarrão bem festivo, a bateria marcada, a interpretação vocal sassy. É a própria I Love Rock’n’Rollou Celebrity Skin delas. E o pior é que funciona até hoje, sendo um dos meus trecos favoritos do grupo em todos os tempos.
Ainda lá em cima rola Sweet Dreams, um amálgama de disco com housedivertidíssimo, dramático, que torna uma tarefa difícil ficar parado quando começa a tocar, tamanho é o poder dela em envolver com sua melodia e linha de baixo.
Stop! é outra dessas a emular algo de antigamente usando sintetizadores eletrônicos. No caso, totalmente sinto nela um clima daqueles glam metals oitentistas, ao mesmo tempo que ele também consegue funcionar como um dance atual. Eu amo como a dramaticidade nela vai crescendo, com os elementos sonoros contribuindo para isso, tornando-se cada vez mais intensos, aí surge um solão de guitarra e elas começam a gritar gostoso. Sério, é apaixonante.
O clima dá uma aliviada em Dear Boy, mas não é como se isso a fizesse ruim. A interpretação mais R&B e aconchegante delas no instrumental eletrônico recheado de mini momentos diferenciados é de se deixar levar. Assim como o dueto da Sônia-que-engravidou com a HA:TFELT em Long Long Time, abusando de melismas e enfeites vocais que tornam esse baladão soulful um número fora de sério.
Ainda nisso de duetos, temos Sohee-não-sei-cantar e Yubin servindo drags nos anos 90 com SuperB, um dance pop clubber rampeiro que Kylie Minogue e Madonna na era“Confessions” sairiam na porrada para terem em sua discografia. Depois de umas ouvidas, fica impossível tirar os “My heart / my soul / My feel / my action / Your heart / your soul / Your feel / your action” da cabeça. A letra é da mesma tia que fez “Abracadabra”, do Brown Eyed Girls. Então, tenham em mente o nível disso.
Btw, encerrando a trilogia de duetos está Lim-feia mandando uns raps ao lado do San E 100% feminista na toscovilhosa Act Cool, uma bobagem futurista que em momento nenhum se leva a sério sobre a Lim-feia ser foda pra caralho e falar em quatro línguas – se tornando maravilhosa justamente por isso.
Nu Shoes fecha o trabalho das inéditas em altíssima linha, sendo ainda outra naquilo de produzir algo remetente à antigamente (anos 20, 30…), mas com artimanhas contemporâneas que parecem saídas de algum filme futurista. Quase um follow-uppara a “Be My Baby” lá do início. Que troço lindo.
O único bagulho fraco nisso tudo é Girls Girls, um Pop acústico aguado demais que surge entre as primeiras da tracklist, sem qualquer pulso, aguado demais. Mas há sempre a opção de pular de faixa, certo? :v
O gosto que fica na boca ao final é deliciosamente satisfatório. O “Wonder World” explora diferentes sonoridades que conversam entre si numa tracklist que consegue soar retrô e futurista ao mesmo tempo. A maioria das músicas facilmente poderiam ser utilizadas como single, de modo que sua audição, quase num todo, é empolgante, agradável, interessante, divertida e memorável.
Enfim, esse é, basicamente, o tipo de álbum que qualquer girlgroup gostaria de ter em seu catálogo. Há uma assinatura sonora, ela é bem executada. Se o Wonder Girls demorou quase meia década pra conseguir algo assim, quanto tempo será que o Twice esperará? Fica aí no ar.
Nota 8,8
Texto originalmente postado no blog Esquadrão Lunático, no dia 22 de março de 2018, como parte das “prévias” do top com os melhores lançamentos de 2011. Por isso a introdução. Um dia, refaço a lista e, então, ela fará sentido.