Off topic: 6 referências usadas na trilogia “Rua do Medo” que são melhores que ela

Uma pausa no top 2015 para eu cuspir marimbondos.

Recentemente, a Netflix lançou a trilogia de filmes Rua do Medo, composta pelas partes 1994, 1978 e 1666, que saíram com o intervalo de uma semana cada. Ela é livremente inspirada na série de livros de mesmo nome, do autor R. L. Stine, mas levada para as telas utilizando uma porção de referências de filmes “slasher“, um subgênero do terror que apresenta alguns elementos que se repetem, como um assassino em série, humano ou sobrenatural, cuja identidade pode ou não ser mantida em segredo, que costuma perseguir jovens em um microverso delimitado (um acampamento, uma cidade, etc.), que quase sempre deixa uma “final girl” como sobrevivente. Tem bem mais coisa, mas resumidamente é isso aí.

Sou MUITO fã de filmes slasher. Alguns dos meus prediletos da vida vêm desse subgênero. Costumo repetir alguns deles todo ano. Inclusive é muito legal colocar eles para rodar em festas com amigos (ai, quero minha vacina logo). Quando soube que “Rua do Medo” seria uma homenagem a medalhões do estilo, me animei bastante. Mas a promessa foi bem maior que a execução.

Originalmente, os filmes seriam lançados nos cinemas estadunidenses com intervalo de um mês cada, possivelmente entre junho e agosto, para aproveitar as férias de verão escolares/universitárias, período onde os cinemas ficam em alta por lá. A produtora dos longas, Chernin Entertainment, tinha um contrato de distribuição com a Fox e filmou os três “episódios” em um pouco mais de três meses em 2019 para que eles fossem lançados em 2020. Só que rolaram dois imprevistos nesse meio tempo: o corona vírus, que fechou a maioria das salas de cinema dos dois mercados mais importantes dos EUA, Nova Iorque e Los Angeles, e a compra da Fox pela Disney, que arrastou pra baixo do tapete uma porção de projetos do estúdio dessa época.

Calhou que o contrato de distribuição se encerrou e a trilogia foi comprada pela Netflix, que soltou os filmes esse mês. Há veículos que especulem que a aquisição pela plataforma de streaming fez com que rolassem algumas modificações na montagem (“montagem” é a maneira como as cenas são arrumadas) dos filmes, incluindo aquilo de “no episódio anterior” e “no próximo episódio”, o que teria dado à “Rua do Medo” um aspecto “televisivo” bem maior do que teria. Tendo acontecido ou não, em minha opinião, o resultado foi muito, muito, mas muito abaixo do esperado.

Os três filmes são bem ruins num todo. O primeiro, “1994”, é o menos ruim: as referências usadas são bem feitinhas, as relações entre os personagens não são tão superficiais e dá para se divertir assistindo no mesmo nível que se divertiria vendo um filme Disney Channel de tempos atrás. Já os outros dois, “1978” e “1666” são ofensivos de tão ruins.

O grande problema neles é que eles são bem pouco… cinematográficos. E chuto que nada disse tenha a ver com a Netflix, mas se deva à bagagem da diretora, que foi responsável por dois episódios da série de TV de “Pânico” (é, tem uma série de TV pra “Pânico” feita pela fucking MTV, ahein). A trinca de filmes me passa muito mais a impressão de ser um punhado de episódios de uma série juntos do que algo pensado para longa-metragens em si. E isso está no jeito como as cenas são cortadas, com a câmera mudando toda hora, dando uns closes muito próximos dos atores para esconder os cenários, na fotografia, “certinha” demais, na falta de profundidade inicial dos personagens (pois séries têm tempo, anos até, para desenvolvê-los) e até na confusão etária da história: tudo é muito teen, mas aí metem umas cenas gore para impressionar do nada.

Em vez de filmes propriamente ditos, os três me parecem séries do roteirista Ryan Murphy, que já fez essa mesma proposta slasher na temporada “1984” de “American Horror Story”, sobre um acampamento com serial killers, e na série “Scream Queens”, sobre universitárias que fogem dum assassino com máscara de capeta. Inclusive, os problemas dessas duas séries se repetem aqui, com várias barrigas (momentos onde algo no roteiro se estica mais do que deveria) acontecendo, com a trama demorando muito mais do que deveria para engatar e etc.

O que quero dizer com esses sete parágrafos acima é que “Rua do Medo” é um cocô. O que me deixa bem puto, pois sou muito fã de slashers e gostaria de mais outro novo produto desse tipo para consumir. Contudo, se há algo para tirar disso tudo são as boas referências usadas nos filmes. Todas elas são muito melhores que eles. Por isso (e por eu estar com preguiça de editar a próxima parte do top 2015), resolvi fazer esse off topic cinematográfico aqui no Miojo Pop listando alguns desses filmes que, acho eu, foram usados como base para passagens, para estéticas e por aí vai na trilogia. Alguns são bem óbvios, outros talvez eu esteja viajando legal, mas ficarão como diquinhas para assistir nesse finalzinho de férias (e continuação de pandemia que não termina nunca).

Na ordem dos filmes da trilogia…

PÂNICO

(Scream, 1996, Wes Craven)

“Rua do Medo: 1994” começa com um segmento bem legal da filha da Uma Thurman recebendo uma ligação e sendo atacada por um assassino fantasiado como a morte dentro de um shopping. Toda ela é uma adaptação do início espetacular do primeiro “Pânico”, onde a Drew Barrymore é assassinada pelo Ghostface, que começa stalkeando ela pelo telefone e termina com uma cena de corrida e esfaqueamento que é reproduzida quase quadro-a-quadro, só que no corredor do shopping.

“Pânico” é um dos meus filmes favoritos da vida. Na época do lançamento, o gênero slasher estava em baixa, pois uma porção de franquias do tipo vinham repetindo a fórmula várias vezes ao ano. Aí o diretor Wes Craven foi lá e criou um slasher sobre adolescentes que assistem slashers, tirou sarro de todos os clichês possíveis e criou uma nova febre mundial. A cena da garota no portão da garagem é um dos troços mais lindos já feitos.

HALLOWEEN e HALLOWEEN 2

(1978, John Carpenter, 1981, Rick Rosenthal)

No final dos anos 70, o grande diretor John Carpenter se inspirou em filmes europeus, juntou o orçamento de uma coxinha e um copo de suco de caju e criou um cultural reset dentro do cinema de terror com “Halloween”, uma história sobre uma babá que é perseguida por um psicopata mascarado na noite de dia das bruxas. Em “1994”, isso é referenciado quando o assassino do shopping aparece na casa onde uma das personagens está trabalhando como babá.

O sucesso do primeiro “Halloween” foi tanto que encomendaram uma segunda parte do filme para o John Carpenter. Contudo, ele estava ocupado com outros filmes e algumas de suas ideias não batiam com os desejos no estúdio. Então, ele ficou só responsável pelo roteiro e passou a direção para o Rick Rosenthal, que deu continuidade à história levando a protagonista e o assassino para dentro de um hospital, o que é replicado dentro do “1994”.

GAROTA INFERNAL

(Jennifer’s Body, 2009, Karyn Kusama)

Rolaram vários problemas com esse filme. No papel, essa história era planejada como um “terror do ponto de vista feminino”, escrita pela roteirista Diablo Cody (que havia vencido o Oscar anos antes com “Juno”), que usaria o espaço para tratar sobre temas como relacionamentos entre amigas, o abuso de homens (no filme, a personagem da Megan Fox é dopada por uma banda de rock, que chega ao sucesso oferecendo ela como sacrifício pro pai do Red Velvet) e como a sociedade culpa mulheres por coisas ruins – claro, com assassinatos em série, sangue e segue o bonde. Mas o estúdio não teria entendido isso direito, mexeu em coisas do filme que não deveria mexer e ainda vendeu ele como uma oportunidade para o público masculino ver a Megan Fox como uma grande gostosa e mais nada (teve até campanha de marketing em sites pornôs, o nível foi baixo assim).

A crítica detonou na época, mas após o movimento #MeToo, uma parcela do público vem defendendo o filme como uma obra cult, que não foi aproveitada corretamente em sua época, inclusive fazendo mutirões em sites de rankeamentos de filmes abertos ao público com comentários positivos, notas mais altas e tudo mais para incentivar que ele seja revisto com os olhos e as ideias de hoje em dia. Nessa aí eu fui rever no ano passado e não achei o troço mais bem feito do mundo não (devia ter ficado com a memória afetiva da minha adolescência mesmo), mas ainda assim é bem mais divertido e estiloso que o “1994” e o “1666” naquilo de ter uma personagem “possuída” que quer matar todo mundo. É um “Cidadão Kane” em comparação.

A música tema sobreviveu bem ao tempo…

SEXTA-FEIRA 13, CAPÍTULOS 1, 2, 3 e 4

(Friday The 13th I, II, III e Final Chapter, 1980-1983, vários diretores)

O segundo filme, “1978”, se pinta como uma homenagem ao cinema slasher de acampamentos. Esse subgênero do subgênero se popularizou por conta de “Sexta-Feira 13”, o “filme do Jason” (que nem é bem do Jason no começo, mas não importa). Vários clichês vieram daí, como a piada com quem transar vai morrer, os acampamentos como um cenário para jovens sarados se pegarem e serem mortos enquanto trabalham como monitores, dentre outros. A máscara que o assassino do machado usa no segundo “Rua do Medo”

Tem uma porrada de filmes de Jason por aí (inclusive um dele contra o Freddie, de “A Hora do Pesadelo”), mas eu sugiro que vocês procurem os quatro primeiros. Porque são cinema “B” de qualidade, com cenas divertidas, mortes criativas e uma vontade de fazer acontecer muito grande. E para constatarem que podreiras de quase quarenta anos atrás, com quase nada de orçamento, conseguem ser muito mais inventivas que megaproduções atuais como o “1978”, que parece não ter alma nenhuma.

ACAMPAMENTO SINISTRO 1 e 2

(Sleepaway Camp, 1983, Robert Hiltzik e Sleepaway Camp II: Unhappy Campers, 1988, Michael A. Simpson)

Esse aqui é o puro suco do cinema trash. O primeiro é a mesma história de “um acampamento onde várias pessoas são mortas por um assassino em série misterioso”, mas feito com pré-adolescentes. Os diálogos são merdavilhosos, as atuações são hilárias e tudo é bem precário, mas parte da graça é isso. Acho que toda a interação no núcleo pré-adolescente do “1978” foi tirada daqui, com aquilo de garotas malvadas atacando uma outra por ela ser diferente, essa garota diferente respondendo isso de forma violenta, as crianças sendo mortas com muito gore e mais.

No final do primeiro “Acampamento Sinistro”, descobrem que o assassino é a garota que sofre bullying. E mais: descobrem que essa garota, na verdade, é uma mulher transexual. O segundo filme, então, se passa anos no futuro, com ela, depois da transição de gênero, se tornando uma monitora de acampamento e assassinando todos os outros empregados que ficam se pegando. O mundo felizmente evoluiu e um retrato assim sobre uma trans se tornando uma psicopata pela repressão provavelmente não seria feito hoje em dia. Adoraria que fizessem um remake desses dois filmes com um desenvolvimento menos errado e com a protagonista sendo, de fato, interpretada por uma atriz transgênero (no original, a serial killer no segundo filme é vivida pela atriz cis Pamela Springsteen, irmã do cantor Bruce Springsteen). Mas vale assistir com entendendo esses problemas e se divertindo com todo o resto.

A BRUXA

(The Witch, 2015, Robert Eggers)

Quando me falaram do terceiro filme, “1666”, disseram que lembrava bastante “A Bruxa”. De fato, a referência é bem perceptível na temática: uma comunidade cristã no século 17 que impõe aos outros dogmas morais baseados no que querem interpretar da bíblia e taxam como bruxaria ou satanismo qualquer ação que vá contra a vontade daqueles que têm mais poder ali. Mas a execução aqui é pífia. Simplesmente não casa. O clima todo parece de filme teen com adolescentes querendo pagar de bad boys and girls enquanto vivem suas juventudes, mas a paranoia, a ameaça mesmo, perde muito peso sem artifícios que alimentem isso. É uma merda. Aí a história em 1666 acaba no meio do filme e volta para 1994. Um cocô.

O “original” é mais legal, embora não seja um slasher. Tem aquela Anya Taylor-Joy feia pra caralho que vocês parecem adorar, tem uma fotografia fria e uma trilha sonora que dá uma agoniazinha, tem uma espiral de neurose que deixa o espectador mal por dias, tem até um bode preto falante do mal. Dos filmes dessa lista, é o mais esquisito e perturbador (fiquei com o final dele na cabeça por muito tempo). Assistam e depois ouçam a discografia do Oh My Girl para dar uma equilibrada! 😀

11 comentários em “Off topic: 6 referências usadas na trilogia “Rua do Medo” que são melhores que ela

  1. Eu achei a trilogia bem boa/razoável, até pq eu tava sem paciência para coisas complexas de magnitude alta, então eu e minha irmã achamos assistivel, sendo o segundo o pior de todos, por ser massante demais

    Mas a trilogia ajuda mto a Netflix a ganhar umas views e não falir antes do que realmente era para já ter falido (Até pq o catálogo deve tá segurando bem as contas)

    E apesar de achar que manter o lançamento em julho pelo Calendário original ser lógico, uma trilogia de terror… No verão/inverno… Sei lá, meio nada a ver em não terminar no Halloween, ou um mês antes

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    1. Pois é, estranho não jogarem o lançamento pra outubro. É exclusivo da plataforma mesmo, as pessoas não iriam ao cinema, então não teria motivo pra deixar nas férias de verão. Não entendi o porquê de não terem colocado no mês do dia das bruxas mesmo.

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      1. Ignorando a parte da qualidade, a trilogia foi bem que sucesso, ou a Netflix não esperava ou eles tem uma carta na manga para outubro (Já que Sabrina não existe mais como carro-chefe de terror)

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      2. Talvez eles tivessem medo que os filmes vazassem antes do lançamento oficial?

        Nunca ouvi falar sobre a Netflix ter sofrido com esse tipo de problema, mas sempre tem o risco de uma primeira vez…

        (ou talvez eles só tenham comido bola, mesmo)

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  2. “A Bruxa” é foda pra caralho. Tem diversas referências a clássicos infantis como “Chapeuzinho Vermelho” e “Os Três Porquinhos”. A Anya Taylor-Joy mandou muito bem e caiu nas graças dos fãs de terror. Maior parte do hype de “Last Night in Soho” é por causa disso, ela está voltando pro terror (e aquele trailer foda, claro).

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  3. ~spoilers~
    nossa eu amei a trilogia, é a primeira vez que eu vejo alguém falar mal fkjzkzkskz eu não vejo filmes de terror, pq eu me assusto facilmente com eles, então talvez seja por isso que eu tenha gostando tanto (??) não sei, eu me diverti muito vendo os 3 filmes. eu achei tranquilo apesar do gore exagerado, e eu amei as #lacradas da diretora com uma protagonista negra e o casal central lésbico (e vivo no fim), o vilão sendo um policial branco etc bapho demais!!

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  4. É curioso que você considera “1994” como o filme “menos pior” da trilogia, considerando que a opinião da crítica especializada e do público geral foi exatamente o contrário.

    Concordo que em termos de produção e estética, os filmes realmente parecem mais série de Netflix do que cinema propriamente dito. Isto posto, gostei bastante da trilogia – mas eu não costumo ver muito filmes de terror, então talvez seja exatamente por isso. AQUELA cena do “1994” continua me assombrando até agora (não gosto de cenas de “gore” – ia dizer que nem sei por que vi a trilogia, mas sei que foi pela premissa de três histórias semi-independentes em épocas distintas, alimentando meu apetite nerd por multiversos e afins).

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    1. Eu fiquei chocado que todas as críticas que vi depois colocavam o primeiro filme como o pior. Não faz sentido nenhum na minha cabeça. Os outros dois são bem menos “filme” que o “1994”.

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  5. Eu assisti a trilogia tentando conter minhas expectativas – sabendo bem eu, fã de filmes slasher cujo filme favorito é Pânico, que podia ser horrível – e olha, não é RUIM. Eu me diverti assistindo, do mesmo jeito que me divirto assistindo a porcarias das décadas de 80 e 90 que caíram em uma sequência formulaica enquanto filmes de terror, com jovens/adolescentes fazendo besteira e morrendo por isso. A questão é que os filmes NÃO PASSAM disso: não tem a genre savviness de Pânico, aplicação e subversão de “regras” e clichês de outros slashers que vieram depois da “reinvenção” do gênero. Falta um pouco de profundidade nos personagens e situações, então é como assistir ao bê-a-bá do terror.

    Pontos positivos: a trilha sonora, tanto de 1994 quanto de 1978 é IMPECÁVEL; coisas que eu realmente imaginaria escutar na época, que fazem sentido na construção dos personagens também. O gore também é divertido, dá para ver que tem build-up para algumas cenas mais pesadas ao invés de só sangue gratuito (o que aconteceu com Jogos Mortais depois do terceiro filme).

    Vendo o sucesso da trilogia, eu espero que isso dê aos estúdios mais incentivo a retornar com os slashers, que para quem é fã de terror, sabe que andam em falta nos últimos tempos. Tô cansada de filme de fantasminha e das infinitas sequências do universo de Invocação do Mal, Atividade Paranormal e Sobrenatural, parece que só tem isso no mercado ultimamente.

    (Agora defendendo Jennifer’s Body kkkkkkkk eu reassisti depois de mais velha, faz pouco tempo, e entendo por que tantas de nós mulheres passamos a ter um apreço maior pelo filme com um olhar mais maduro. Aliás, ICÔNICA a cena em que a personagem de Amanda fala “you’re killing people!” e a Megan responde descaradamente “no, I’m killing BOYS!”. Ah, e a trilha sonora é muito boa também, toca Hole no encerramento dos créditos, pena que não a faixa que dá título ao filme – aliás, a trilha sonora real podia ter sido somente o Live Through This do Hole e eu amaria, um puta álbum, viu)

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