ALBUM REVIEW | Wonder Girls – Reboot (2015)

Vivemos no pop de hoje um momento onde os artistas mais relevantes de seus cenários musicais têm buscado influências em sonoridades do passado. Nos EUA, o The Weeknd se tornou um dos cantores mais bem sucedidos dos últimos tempos rememorando o synthpop mais pesado dos anos 80 em seu último álbum. Paralelo a isso, lá no Reino Unido, a Dua Lipa fez o mesmo do lado feminino, mas indo prum lado ainda mais pop, puxando também referências dos anos 70. Na esteira, outros acts entregaram suas próprias versões de throwbacks, cada um apertando onde lhe era mais interessante: Miley Cyrus, Jessie Ware, Doja Cat e segue lista.

Enquanto isso, da Ásia, um monte de gente na internet era impactado pelo vídeo com o áudio de “Plastic Love”, que aparecia aleatoriamente no YouTube para praticamente todos que pesquisavam qualquer coisa relacionada ao mundo pop oriental. Esse viral não só ressuscitou a carreira da Mariya Takeuchi, como (somado ao sucesso de artistas desse lado do globo) ateou uma chama retrô em um monte de gente do Japão, China, Coreia e etc. O antigo se tornou algo no asian pop e todo mundo quis um jam 70s~80s para chamar de seu.

Mas vocês sabiam que o Wonder Girls já apostava nisso muito antes de ser moda? Pois venham comigo relembrar um dos melhores álbuns da última década…

O Wonder Girls é um grupo retrô desde seus primeiros passos na indústria. Elas debutaram como um quinteto em 2007 (quantos anos vocês tinham?), composto por Yenny (HA:TFELT), Sunmi, Sunye Soninha, Sohee e… HyunA (sim, essa HyunA)! Inicialmente, elas tinham uma pegada “grupo de K-Pop pré-era de ouro” naquilo de R&B noventista que um monte de gente fazia lá no Coreia nesses tempos (acho Irony uma merda). Contudo, a HyunA saiu da JYP Entertainment logo nesse começo de run e, meses depois, com o acréscimo da Yubin (e a morte do Five Girls, um dia falo disso), elas já adquiriram uma cara retrô em Tell Me (outra merda), que fez tanto sucesso que se tornaria a assinatura sonora do grupo dali em diante.

Wonder Girls era sinônimo desse pop retrô chiclete que um sem número de acts fez no início da era de ouro do K-Pop. E elas seguiram apostando nisso comeback a comeback, com a mão pesada do J. Y. Park para composições e produções funcionando muito nesse quesito. O velhote é assumidamente fã das sonoridades que estavam em alta nos anos 80 e soube bem adaptar ao grupo o que era vigente trinta e tantos anos atrás em grandes bops grudentos que levariam ele, elas e a gravadora num todo ao que se tornou a Big3 coreana (ao lado da SM e da YG).

Mas muita coisa aconteceu com o Wonder Girls em termos de gerenciamento. À época, havia um empenho bem grande por parte da JYP em fazer o grupo acontecer no ocidente (na Ásia num todo elas já eram um fenômeno fonográfico), e isso foi desde faixas em inglês e uma turnê em parceria com os Jonas Brothers até participações constrangedoras em programas de TV e um filme tenebroso com elas. Houve também uma inconsistência com o line-up ao longo do tempo: Sunmi também pediu pra sair (pois queria estudar) e foi substituída pela Lim Feia (o que matou o primeiro miss A, mas também deixarei essa pauta para o futuro), Soninha resolveu ser mãe e dona de casa conservadora do lar e Sohee foi trabalhar como atriz. Aí Sunmi voltou a ser idol em 2013, Yenny virou HA:TFELT em 2014, miss A já estava nas últimas em 2015 e o velhote tocava o Sixteen para o que viria a ser o Twice (marco final da era de ouro e inicial do K-Pop atual).

Com isso tudo em mesa, a JYP anuncia o retorno do Wonder Girls com uma formação, até então, inédita: Yenny, Yubin, Lim Feia e Sunmi, que tinha estourado como solista e trazia ao já amadurecido girlgroup um frescor de novidade. Elas viriam agora como uma “banda” (pffffff) e seriam responsáveis por praticamente todo o repertório que comporia seu novo álbum de estúdio, o Reboot. A exceção vistosa era justamente o lead single que impulsionaria o trabalho, I Feel You, que retomaria a assinatura “JYP… and Wonder Girls… We’re Ba-ack!” ❤

A proposta do “Reboot” é reviver as já citadas sonoridades que dominavam as paradas musicais nos anos 80. Contudo, diferente do que ocorria com o próprio Wonder Girls tempos antes, essas referências não foram diluídas numa roupagem mais “pop” e “atual”, sim reproduzidas com todos os signos estéticos que faziam delas o que eram. O “Reboot” num todo me desperta um ar de “nostalgia pelo que não vivi” e, particularmente, casou muito bem com o meu estado de espírito à época do lançamento.

Vamos lá, todos sabemos que música e arte num geral bate diferente de acordo com a pessoa e com o modo como cada pessoa está em seu momento de consumo. Era 2015, eu estava vivendo meu melhor momento na faculdade de jornalismo (era o segundo ano, estava descobrindo as coisas legais do curso e passava longe de me preocupar com os trabalhos mais pesados que viriam dele, na maior parte do tempo em focava em me divertir com meus amigos e tocar minha vida de young adult pós-ensino médio), também estava em bons momentos da vida pessoal e me divertindo ao máximo com o que saia diariamente no K-Pop (2015 é o melhor ano do gênero). Inclusive, foi o ano que o Asian Mixtape estourou e a caixa de comentários meio que se tornou uma comunidade onde pessoas que curtiam as mesmas coisas musicais que eu se encontravam para conversar online. Foi o balanço perfeito entre a vida off e a vida on. As coisas que eu ouvia dessa época ainda me batem forte no positivo (dá para traçar um paralelo, por exemplo, com as coisas que saíram em 2019, que eu evito ouvir hoje em dia para não me trazerem memórias ruins). Música tem esse papel, é algo subjetivo.

Então, posso dizer que o “Reboot” num todo, em seu tom nostálgico artificial, me traz um escapismo excepcional. E “I Feel You” pode ser tomada como um totem dele em sua proposta. As quatro se jogam num synthpop sujão, cafona ao extremo, com toda aquela jovialidade descompromissada e ligeiramente tosca dos anos 80 reunida em um pouco mais de 3 minutos de faixa. O tecladinho safado explodindo logo de cara já dá o tom que ela seguirá. É o tipo de música que eu adoro cada elemento usado para sua formação. O refrão suspirado é uma delícia, a segunda leva de versos com a Yenny é destruidora demais e há uma aura sexy no pacote todo que muito agrada o pacote desse que vos escreve.

Piadas fálicas à parte, “I Feel You” é uma mudança interessantíssima no paradigma do Wonder Girls até então. Acho que elas ainda não tinham apostado num sexy concept tão forte na Coreia do Sul como ocorre aqui (o feat. com o Akon é tão estranho à discografia delas que eu meio que não conto). E não é que as coisas ficam no subjetivo para alegrar às mentes mais poluídas. O MV literalmente ocorre dentro da vagina da Sunmi. Os bodysuits apertados são um desbunde visual e rola um segmento espetacular com a Yenny passando gelo no corpo suado que entrou para os anais de louvores à Nossa Senhora da Vara Ereta dentro do K-Pop. O Wonder Girls aqui era marcado como o contraponto adulto ao Twice (que debutaria logo depois). Durou pouco, mas valeu cada investimento.

Agora, imaginem esse nível de esmero espalhado por um álbum INTEIRO. É isso que acontece no “Reboot”. TODAS as músicas são espetaculares, maravilhosas, competem entre si para ver qual chama mais atenção do ouvinte e são melhores até mesmo que muita title lançada até hoje. Ele começa pela minha predileta, Baby Don’t Play, uma abertura incrível com um refrão tão chiclete que deveria ser investigado por causar os mesmos efeitos de uma dependência química após audições iniciais. E aí vem Candle, uma maravilha catártica para as pistas de dança com elas implorando pro cara “acender a vela delas”. “Candle” é formada por momentos e mais momentos de puro bliss. O refrão explosivo é como uma porrada no estômago. E traz o melhor rap da Yubin em todos os tempos. Além da participação do Paloalto, diferente do que rola na maioria das participações de rappers em faixas de girlgroups, realmente fazer a diferença no final.

Rewind pega toda essa excelência estética característica e coloca num baladão arrepiante. É como ouvir um daqueles clichês de filmes, onde os protagonistas se encontram num momento de ápice narrativo e toca a música tema. E com toda a sujeira sônica meio abafada dos anos 80 presente, aquela bateria molhada onde os tambores continuam ressoando depois que batidos, uma estranheza de rádio AM na interpretação vocal delas e uma melancolia alegremente entristecedora de se deixar levar. “Rewind” é uma música lindíssima e, em minha humilde opinião, a melhor balada do Wonder Girls num todo.

Os ânimos voltam lá para cima em outra trinca matadora: Loved, John Doe e One Black Night. A primeira é a magia e alegria oitentista em forma de música, com sintetizadores envolventes que vão tomando conta do corpo conforme elas vão cantando numa região mais grave, quase hipnótica. “John Doe” é ainda mais propositalmente cafona, se inspirando em Glória Estefan e adicionando elementos latinos no instrumental para cativar nossos quadris. Sou completamente louco por esse refrão duplo, principalmente pelas linhas “Hey John Doe, você está olhando para mim / Está tentando roubar o meu coração / Hey, você está se apaixonando mais ainda por mim / Você está tropeçando / Venha e me pegue!“, que ficarão na cabeça de vocês por muito tempo. Por fim, mas não menos importante, somos levados para o cinema policial em “One Black Night”, com uma levada “urgente” impagável. Eu ouço ela e me sinto numa perseguição de moto atirando num robô vindo do futuro ao lado do Arnold Schwarzenegger. E a Sunmi transforma tudo num número passional de ópera mais para o final.

Já vi outros capopeiros arrastando o terço final do álbum para a lama, mas nunca entendi o motivo. Eu sigo adorando a bobageira que é Back, homenageando o Hip Hop do começo dos anos 80/final dos anos 70 com uma letra divertidíssima e um instrumental que me transporta diretamente para alguma apresentação do The Sugarhill Gang mandando a gente pular usando roupas de índios ou algo assim. O solo da Lim Feia em Oppa é uma graça, com ela se jogando numa aura mais fofinha e encantadora boboca Madonna em início de carreira que muita gente deixou passar. When Love Tries to Leave é ainda outro baladão bem acima da média, meloso como um pote de mel caindo num cesto cheio de balas, mas estupidamente safado no jeito como elas interpretam a letra. Gone traz uma Yubin mais passional, evocativa de grandes divas, dividindo as linhas de sua composição cantando com as colegas como se fosse a vocalista do Roxette. E This Moment é aquela facada final, um citypop antes mesmo de citypop entrar na moda, com elas fechando o álbum num último arranhão que dará vontade de voltar ao início e repetir.

O “Reboot” é um puta álbum. É incrível como não só o velhote do J. Y. Park, mas também as quatro remanescentes conseguem elaborar perfeitamente throwbacks dos anos 80 e tudo, de fato, soar como se fosse alguma faixa perdida daquela época. Foi um LP que me cativou muito seis anos atrás e, ainda hoje, me acerta como uma lâmina no pescoço. Era para esse post ter saído semana passada, mas me peguei repetindo tanto ele que fui adiando escrever para seguir nesse microverso construído pelo Wonder Girls. Melhor álbum delas, melhor álbum de 2015 e um dos melhores álbuns da última década (considerando não só o pop asiático nessa conta).

Nota 10,0

De verdade, ouçam ele inteiro no Spotify, YouTube ou na plataforma que preferirem. Vão atrás das letras, das referências que elas usaram, prestem atenção em cada detalhe. E repitam ao máximo sempre que conseguirem. Nesse aqui, o K-Pop atingiu um dos seus ápices em todos os tempos.

9 comentários em “ALBUM REVIEW | Wonder Girls – Reboot (2015)

  1. Uma resenha perfeita para um álbum perfeito! É como você disse, não tem faixas ruins ou fracas no REBOOT; talvez algumas pessoas não gostem da desacelerada nas três últimas músicas, mas eu acho elas tão agradáveis que isso nem me incomoda.

    O único defeito dessa era é a propaganda enganosa delas como se fossem as novas Bangles, com os instrumentos – que elas realmente aprenderam a tocar, mas só DEPOIS que o álbum já tinha sido gravado (sem falar que em 95% dos music shows elas só fingiam tocar os instrumentos enquanto o playback instrumental rolava solto)… se não me engano, os instrumentais de “Why So Lonely” e das outras músicas daquele EP pós-REBOOT realmente foram feitos por elas, mas aí já é outra história.

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  2. Concordo com tudo que tu disse.
    2015 foi o auge do conceito, coesão e aclamação (na maioria das vezes), com o Reboot sendo o ápice disso. E elas ficaram tão perfeitas nesse conceito, não consigo pensar em um gg melhor pra interpretar esse conceito.
    Btw, em 2007 eu tinha 14 anos, chocadah.
    Ps: eu achava que no Reboot a Lim Feia já era a Lim Bonita.

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  3. TÔ PASSANDO EM TODOS OS SITES DE CRÍTICA PRA AVISAR:

    VOU COMER O TÓBA DE TODO MUNDO QUE FALAR MAL DA NOVA MÚSICA DO BTS!!! (Permission to Dance)

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  4. Finalmente Rewind sendo aclamada como o hino que é, minha faixa favorita do WG, do melhor álbum delas também.

    Uma pena que o WG durou tão pouco depois dessa repaginada, mas perdeu o timing mesmo, e com esse tanto de mudanças do line-up… O fato é que 2015 foi um dos melhores anos para o Kpop (e coincidentemente para minha vida também, puta saudade!), porque ter o Reboot e 4 Walls num mesmo ano, olha, pra mim não tem competição.

    Sempre achei a Lim Feia bonita, apesar de o ápice da beleza dela ser em Why So Lonely (aquelas cenas dela tocando guitarra com o fundo amarelo e a maquiagem mais pesada, ai como é bom ser bi………….)

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  5. Aqui elas foram sinônimo de ARTE. Eu fico impressionado com o trabalho das meninas do Wonder Girls, todas são extremamente talentosas, e com a produção do REBOOT a gente só percebe o quanto o JYP perdeu de não ter dado mais espaço pra elas anteriormente, apesar que desde o primeiro full elas já escreviam alguma coisa pro grupo. Mas aqui no REBOOT a gente viu uma literal reformulação do grupo em todos os aspectos possíveis, eu confesso que sinto falta da Sunye e Sohee nesse álbum, assim como sinto da Sunmi no Wonder World, mas elas realmente atingiram outro patamar com o conceito banda e se consolidaram de vez como as Retro Queens.

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